Nesse feriadão fui encontrar minha primeira amiga de infância de que tenho lembrança.
Era mais alta que eu e tinha um jeito de mandona. Tinha sardas no rosto e um narizinho arrebitado.
Olhando com os olhos de hoje, vejo que ela era encapetada mesmo e eu? Criada para ser a princezinha.
Batíamos de frente sempre, mas não nos desgrudávamos. Era uma relação de amor e ódio entre duas crianças de 4 anos em diante.
Eu como filha única, só tinha a ela p/ brincar, portanto cedia sempre e me desculpava até quando estava certa.
A Vany tinha uma irmã mais velha, a qual eu adorava, porque era fofinha e tinha um gênio completamente diferente do da Vany. Era sensata, mais velha que nós duas e tinha nosso respeito, embora não conseguisse evitar que as merdas acontecessem.
Lembro que onde morávamos era perto da favela e a Vany já havia arrumado confusão c/ a negada toda. Ela era a única branca do pedaço, de modo que quando me mudei p/ lá, todos que se davam comigo diziam que ela era metida. Certamente por ser branca e por ser marrenta como era.
Hoje eu entendo que aquilo era defesa. Imagina se ela tivesse uma postura mais subserviente como a minha, isso independente de cor, neguinho ia jantá-la literalmente. E ela era exatamente o contrário. Podia estar sendo jurada de porrada, que devolvia o insulto na mesma hora, combinando hora, local e golpes que usaria. Ela não ficava por baixo. E eu admiro muito essa postura nela, porque eu tive que sofrer um pouco para aprender a me defender. E nem sei se aprendi de fato...
Pois bem, comecei essa história toda só para contar um fato hilário que aconteceu c/ a gente e que toda vez q a gente lembra, rola de rir, porque foi hilário mesmo, de verdade, prá chuchu à bessa!!!!!!!!
A HISTÓRIA
Não lembro quantos anos eu tinha quando a Eva casou.
Lembro que eu fui dama de honra e a Eva, morava na favelinha, mas láááááá no alto. Era funcionária da Faet e com o casório, poderia melhorar um pouco de vida. Ia morar mais embaixo e isso significava quase mudança de "casta" p/ quem mora no morro.
Geralmente embaixo ficam as casinhas melhoras (pelo menos nos anos 70 era assim...)
Era uma negona c/ o cabelo de henê preto, na altura do ombro, com os olhos bem claros. Era muito bonita a Eva. E estava super orgulhosa com a mudança que sua vida estava sofrendo.
A casa por fora era de tijolo, mas os que foram visitá-la, juravam que era casa de boneca. A Eva estava deveras radiante.
Com razão.
Ah! Onde eu e Vany entramos nessa?
Eu morava na casa de baixo. Uma casa que eu achava que era enoooorme. Também... eu era pequetucha, pequetucha. Tudo p/ mim era grande naquela época. Eu tinha mais de 5 anos, mas não lembro com exatidão quantos anos devia ter.
A casa da Vany ficava em cima da minha. Era minúscula, mas tinha uma lage que era nossa alegria. A lage da casa dela era o teto da minha, então p/ duas crianças cheias de energia, aquilo era o paraíso!
Depois da escola brincávamos até escurecer ali. E a frente da lage dava para a rua. O lado esquerdo da laje, dava p/ a favelinha onde a Eva morou (a gente via a escadaria e algumas casas, vaivém de pessoas...) e a diagonal esquerda da laje, dava p/ a janela do quarto da casa nova da Eva. A frente da casa da Eva dava p/ minha rua, cuja primeira casa era a minha. O que separavam as duas era um muro e a escadaria.
Um belo dia de falta do que fazer, eu, Vany e irmã estávamos tentando arrumar algo p/ brincar, quando de repente a Vany atirou uma amêndoa que bateu na janela da Eva. A Eva devia estar trabalhando, mas um lado da janela de seu quarto estava aberta.
Deixa eu contar primeiro como era o lance das amêndoas.
De ambos os lados da frente da casa, tinham duas amendoeiras gigaaaantes. Uma de uma lado e outra do outro e as duas se encontravam na laje.
Geralmente, a laje era repleta de amêndoas no chão, daí surgiu a brilhante idéia da Vany.
VANY - Uaaaauuuu! Tive uma idéia brilhante!
EU - Conta.
VANY - Vamos ver quem acerta mais amêndoas pela janela??
EU - Vambora.
VANY - Aposto que eu ganho! (e taca uma que entra pelo quarto adentro)
EU - Se vc ganha eu não sei, mas que eu vou acertar, ah isso vou! (E taco outra amêndoa q acerta janela adentro indo parar na cama da Eva)
JAQUE - Isso não vai dar certo...
A cama da Eva, estava coberta por uma colcha branca rendada. Um primor!
As amêndoas que estavam no chão perto da gente acabaram, de modo que a gente começou a fazer a limpa na laje. Íamos conversando e tacando amêndoa dentro da janela da Eva, sem contar quem estava ganhando e sem nos darmos conta que a merda poderia feder. Coisa de criança mesmo!
A gente nem vislumbrou a possibilidade de sermos chamadas atenção, de castigo, de surra, de escândalo, apesar das advertências da Jaque.
Por fim acabaram-se todas as amêndoas da laje. Ficou tudo limpinho. E todas a essa altura jaziam em cima da cama da Eva.
Na verdade, ela ganhou uma colcha de amêndoa.
Antes de escurecer eu desci e Vany entrou c/ a irmã, sem nos ligarmos na merda que aquilo ia dar...
Estava eu no quarto da minha mãe que acabara de chegar do trabalho. Quando ela chegava eu fazia festinha que nem cachorrinho c/ a chegada do dono.
Estávamos as duas no quarto conversando quando de repente...
EVA (Com metade do corpo p/ fora da janela berrando a plenos pulmões) - FILHOS DA PUUUUUUTAAAAAA!!!!
E tacava as amêndoas para fora da janela, completamente ensandecida quase acertando a multidão que começava a se formar embaixo de sua janela (de um lado e de outro do muro!!)
EVA - Isso é inveja, desses filhos da puuuuta!! Porque eu casei, porque minha casa é bonita, tááááá?! Filhos da puuuuuuta. Se eu pego! Mas eu vou contar pro meu marido, que vai encher esse sem-vergonha de porrada. Fiiiiilhos da puuuuuuuta!
Eu?? Eu estava no quarto, completamente petrificada, com os olhos aregalados e o cu mais apertado, do que sapato dois números menores que o tamanho do seu pé! Minha mãe chegou na janela e proferiu um " Cruz-credo!"
Eu ainda tive sangue frio (é... porque tremia muito) de perguntar o que estava acontecendo e minha mãe me explicou a história das amêndoas (como se eu não soubesse).
Até hoje minha mãe não sabe quem foi.
Nem a Eva.
Nem o marido da Eva.
Já na casa da Vany...
MÃE DA VANY - Vany! Fala a verdade. Isso tem ou não tem dedo seu???
VANY - Ãh! Hein mãe? Eu... errr. Eu não. Fui eu não (com aquela cara de safada, sem-vergonha que tem culpa no cartório)
MÃE DA VANY - Vany, eu tenho certeza que isso tem dedo seu. Pode falar que foi vc que essa sua cara não me engana.
VANY - Foi sem querer mãe...
Bom, ela ficou de castigo.
E eu ainda sou a inocente da história.
Foi bom lembrar disso.
É... eu fui uma criança normal.
A Eva depois teve um filho, mas nunca mais deixou a janela aberta.
Bj na bundaaaaaa!