E por falar em Pacotinho, não contei aqui, mas a necessidade me fez dar asas ao meu primogênito.
Engraçado que quando a gente conversava que um dia ele ia andar sozinho por aí, ele tinha medo, ameaçava choro e pensava que o mundo era vasto demais para desgrudar da barra da minha saia.
Muito curioso, porque comigo isso se deu de maneira tão diferente... Agora me lembro, que Sr. Engraçado plantou a sementinha de passarinho na minha alma. Eu ainda era bem pequena quando ao atravessarmos a rua, na metade de uma pista de mão dupla, nenhum carro à vista, ele soltava a minha mão e dizia: corre!
E eu corria. Coração disparado até chegar do outro lado da rua na calçada, com um sorriso maior que meu rosto.
Depois, antes de mudarmos de casa, com 7 anos, eu que fazia o caminho a pé na volta da escola junto com Dona Engraçada e sabia aquele trajeto de cor e salteado, me oferecia para comprar pão eventualmente no fim da tarde. Não tinha que atravessar rua. Eu saía de casa e trilhando a mesma calçada, chegava na padaria.
Quando Pacotinho tinha 7 anos e eu grávida de Dona Miúda sem poder sair de casa, o deixei comprar um drops no botequim e pude vigiá-lo pela janela. Naquela ocasião, meu coração não ficou contente. Senti o coração oprimido, porque ele atravessava uma rua estreita perto de casa, que passa pouco carro. Mesmo assim, o porteiro do prédio ainda ligou para saber se podia abrir a porta e deixá-lo sair. Eu consenti. Teria o porteiro mais juízo que eu?
Pacotinho gostou tanto da experiência, que vivia enchendo meu saco para repetir a empreitada, mas expliquei a ele que meu coração não havia gostado daquilo. E esses longos anos me fizeram ouví-lo cada vez mais.
Pacotinho não foi.
Ele é um cara excepcional para a idade. É artista. É iluminado, amado por um bando de gente, é sacana, engraçado, emotivo, magrela, lindo, estiloso, filósofo... e não porque é meu filho não! Se eu conhecesse Pacotinho pelas mãos de alguém, invejaria a mãe dele, porque trata-se de um tesouro. E nós não temos barreiras ou tabus em nossas conversas. Eu falo de certos perigos do mundo pra ele, conforme o desenvolvimento de seu intelecto, além de eu não ser exatamente uma pessoa que vive com medo. Tenho três filhos e não tenho medo, apesar de saber que há perigos no mundo.
Confio em Deus sabe? E sei que ele não vai me dar nada além do que eu possa suportar e se me der, ele também sabe do impacto que pode causar na minha vida e do crescimento que eu preciso ter. Ou seja...
Foi no final do mês passado que um dia sem quase dinheiro algum no vale trans-pobre, decidi que ele desceria do ônibus sozinho e eu seguiria rumo ao trabalho. A gente já vinha conversando sobre esse dia, que chegaria mais cedo ou mais tarde. Usar meu Vale para levá-lo a escola antes do trabalho, tem acabado com meu saldo antes do fim do mês, então conversamos com Engraçadão sobre essa possibilidade, para saber o que ele achava. Ele concordou que esse dia uma hora ia chegar, mas que não seria já.
Pois me aproveitando do saldo apertado, indo em direção ao ponto de ônibus perguntei ao Pacotinho se ele estava pronto para ir àquele dia. Ele ficou animadíssimo, porque vinha me pedindo algumas vezes e eu amarelando...
Concordamos então que ele iria sozinho.
E na descida dele, a sensação é muito estranha. Fiquei com o nariz colado no vidro do ônibus olhando para ele e ele me olhando também. Felizmente o ônibus parou no sinal e eu ainda pude vê-lo dobrando o curvão da Uruguai com a Conde de Bonfim.
Pacotinho com sorrisão no rosto, sorriso esse que era quase maior que seu rosto. Magrela, com aquela mochila pesada nas costas... Eu rezando.
Esse de fato é um momento esquisito.
O ônibus andou e eu passei a mão no telefone, liguei para Engraçadão para deixá-lo ciente, liguei para a escola para que eles saibam... e aquela semana, até o meu Vale carregar de novo, ele foi sozinho sem nenhum arranhão, dizendo todo contente que ir sozinho é o máximo!
Ele está experimentando ter autonomia sobre si mesmo. De fato, a sensação é inebriante no começo.
Hoje foi a prova de fogo. Como eu tenho terapia, meu horário fica meio apertado e para não perder tempo disse que ele iria sozinho. Ele não vai todos os dias, só conforme a necessidade e todos são religiosamente avisados. Pois a motorista passou do ponto, avançou o sinal e só foi parar o ônibus em frente ao Supermarket obrigando-o a ter que atravessar a rua.
Ele já de pé no ônibus, perguntei se tudo estava bem, se ele queria q eu fosse... Ele assentiu. Com aquela confiança própria dos 9 anos recém-completos!
Pedi que atravessasse na faixa e que esperasse fechar o sinal. Ele desceu.
Não fiquei tão angustiada, porque próximo dali funciona uma escola pública, onde crianças muito menores que ele vão juntas, de mãos dadas, levadas por crianças maiores ou menores ainda. Parece uma procissão de crianças indo para a escola.
Então sozinho mesmo, ele nunca está.
Ele leva meu coração, Deus, as crianças e sua fé em si próprio.
7 comentários:
E a fé em si próprio move o nosso mundo.
Lindo, e comovente, como sempre.
Ele começou a jornada à autosuficiência. Longa vida ao REI!!!
Vamos ouvir muito falar deste homem!!!!
Pacotinho não está sozinho, ele só não está com você ao lado, ele está com todos os conselhos que vc já deu pra ele! Mas eu entendo sua aflição. Nesse momento passamos por vários sentimentos conflitantes: temos o medo do mundo que rodeia nossos filhos, temos o choque do entender que eles estão crescendo e (ainda bem!) começam a se virar sozinhos, temos a tristeza de saber que em uma pequena parte eles não dependem mais de nós. É confuso para nós, mães. E mesmo que tenhamos lido muito sobre o assunto, na hora de lançar a flecha no ar, para que ela voe, nos dá uma vontade de guardá-la de volta, na bolsa.
Eu lembro que comigo, tive que ir a luta sozinha, desde os 8 anos, depois daquela história da minha vó ter morrido. Eu estudava em Anchieta (pq morávamos lá), mas fomos morar em Rocha Miranda. Então, durante 1 anos eu andava de R.Miranda até Bento Ribeiro, pegava um ônibus para Anchieta. Na volta a mesma coisa. Uma vez, uma menina rasgou o meu dinheiro da volta. Eu entrei no ônibus e fiquei olhando para o dinheiro rasgado, pensando o que eu falaria para o trocador. Nisso, entrou um bando de soldados no ônibus e um deles me viu, meio que chorando olhando para o dinheiro e pagou minha passagem!!! Até hj minha mãe não sabe dessa história. Não posso dizer "ah! isso era naquele tempo" - pq naquele tempo também aconteciam coisas sinistras. Não posso recriminar minha mãe por ter essa atitude, era a necessidade!
Anos depois fiz a mesma coisa com o Bruno. Não só deixá-lo andar sozinho, como deixá-lo sozinho em casa. Novamente a necessidade.
E, eu, como você, não sou de pensar em desgraças. Confio em Deus, no meu anjo da guarda e nos meus espíritos de luz. Afinal, o que eu podia fazer? Era assim ou era assim! Por isso não recrimino uma mãe que deixa seu filho sozinho quando vejo no noticiário. Não sei a situação em que ela se encontra! Só julgo quando são aquelas que deixam os filhos sozinhos à noite pra ir pra farra.
Felizmente nossos filhos (o meu e os seus) são pessoas (sim!! pessoas!!) tão legais que podemos confiar neles. Podemos não confiar no mundo, mas neles sim!
Aos poucos fui mostrando pra ele possíveis situações de dificuldades que poderiam acontecer e como ele poderia se sair bem delas.
Por exemplo:
- o motorista não parou no ponto! Não se desespere, desça no outro e volte a pé!
- perdi o dinheiro de volta! - Peça a professora emprestado e pagamos no dia seguinte!
- me perdi ! - Pergunte a um policial (não tenha medo da polícia, vc não é bandido!) ou a um jornaleiro. Não peça ajuda a pessoas que estão andando na rua. Elas podem não saber direito o caminho.
- ande junto com os colegas da escola até o ponto do ônibus.
- junto com os colegas na rua, brinque, converse, ria, mas preste a atenção por onde anda! Na calçada pode ter um buraco, uma obra, uma pessoa idosa, um carro saindo da garagem.
- acho que tem alguém me seguindo! - entre numa loja, numa padaria. Dê um tempo. As vezes é só impressão, a pessoa pode estar indo para o mesmo lado que você.
- estou atrasado! - Não corra! Só atravesse no sinal fechado. Você vai levar uma bronca quando chegar na escola. Mas vai chegar inteiro!
- na esquina, atravesse mais para dentro da rua, assim dá tempo de você perceber o carro que está entrando nela.
No mais, amiga, fique orgulhosa desse primeiro passo do seu Pacotinho. Virão outros e cada vez mais difíceis e emocionantes. Confie no seu taco! Você é uma mãe maravilhosa que está sabendo orientar seu "pequeno homem" para o mundo.
bjs
Olha só, dona Engraçadinha, vou te contar um negócio...
Não somos AMIGAS. Visito seu blog sempre que tem nova postagem, apesar de eu não deixar comentário com frequência alguma, mas devo te falar...
Lembro quando eu era pequena e nunca quis ter filhos. No máximo adotar. Mas a verdade é que eu era pequena - ou inconsequente demais - para pensar nas responsabilidades de ter um filho. Até hoje, aos 28, me vejo assim. Só que de repente as pessoas entram na minha vida. E de repente me abrem os olhos de uma tal forma que me deixam enebriada e feliz. Você é uma delas. Hoje já penso em ter filhos próprios, nos gastos, nas problemáticas, mas eu juro... Eu gostaria de ser uma mãe como você e algumas outras mães que conheço. Quero poder ter esse discernimento de conseguir soltar a mão do filho e dar hombridade a ele. Obrigada por me permitir, mesmo que de modo virtual, entrar no seu mundo e amadurecer muitas ideias que têm na minha cabeça.
Quando crescer quero ser igual a você!
Beijos!
Eras sem comentar aqui, tô devendo comentário no blog quase todo-poderoso sem bobear. Mas, vim aqui especialmente pra ler esse post e tem dizer que concordo com a Laila e com a Tutty. E, acrescentar, como uma das pessoas que amam Pacotinho que:
*vc é uma mãe maravilhosa e completamente outra quando se trata deles. (mas isso eu já te disse várias vezes)
*aprenda a confiar mais no seu taco: todo conselho que vc dá ou der a ele, creia-me, ele escuta e põe em prática. e aposto que ele vai vir me contar todo feliz sobre como foi a experiência de criar asas. e, óbvio, morrerei ao ouvir
*vc ainda vai passar por muitas coisas do tipo e pra mim, vc vai tirar tudo de letra
*foda-se a opinião alheia: vc sabe o filho que tem e sabe que pode confiar nele. só não deixe de confiar em vc.
Eu confio em vc. E, acredite, vc está fazendo um ótimo trabalho. E, finalizando, se às vezes eu dedico musicas para os seus posts, hj eu dedico uma sentimento: orgulho.
E, tô no coro da Laila: Qdo eu crescer, quero ser igual a vc. E, de coração, parabéns.
Beijo
Amei o texto, e devo concordar com todos: Você é uma mãe maravilhosa, e só quem é mãe te entende, porque sentir toda a sua angustia através do seu texto, a minha tem 2 anos e eu nem imagino deixa com nove anos comprar o pão (A padaria é aqui do lado) isso tudo porque outro dia um pivete de rua disse que 'quando as meninas já saem para comprar o pão, já da para fazer ousadia' FIQUEI DESESPERADA!!!!!! Fiquei com vontade de bater no menino, como assim pegar minha filha!!????
Mas Pacotinho é um amor, sábio, sabe até onde pode ir, a mente é diferente, talvez vc não deixe dona Miúda e sr. Cabeça, sair com 9, isso também vem do amadurecimento.. Amei o texto :)
Engraçadinha, os filhos crescem criam asas e voam. Tenho certeza que pacotinho estará muito bem preparado para os voos que ele irá fazer. Você e o Engraçadão são as únicas pessoas que sabem como educá-lo. Ignore essas pessoas que adoram palpitar.
Big Beijos
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