“Se os pais têm maturidade psíquica para reconhecer no filho um outro, diferente deles mesmos, as fronteiras psíquicas entre pais e filhos podem desempenhar uma importante função na qualidade desse relacionamento.” – Mariana Ribeiro, (Psicanalista, professora do curso "Entrelaces psíquicos entre mães e filhas" no Instituto Sedes Sapientiae; autora do livro Infertilidade e reprodução assistida - Desejando filhos na família contemporânea (Casa do Psicólogo, 2004), mestre e doutoranda em Psicologia Clínica pela PUC-SP, membro efetivo do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae)
Falamos sobre quase tudo, menos
das relações entre mães e filhas. Pode parecer óbvio para a grande maioria das
mães, que se trata de um contato quase cercado de magia. A magia do amor. A
mágica e simbiótica relação mãe - filha. Apesar de parecer óbvio para um
multidão de mulheres, para mim essa relação teve data de validade.
Claro, vivenciei aquele primeiro
amor da infância, onde filhas são apaixonadas, do tipo, quatro pneus arriados
pelas mães. Admirava profundamente minha mãe, era louca por ela, achava-a a
pessoa mais linda do mundo, fazia juras de amor eterno diariamente em seu nome.
Era o tipo de fidelidade canina que só se vê entre mães e filhas, ou seria
entre filhas e mães? Isso perpetuou até a chegada da adolescência, quando o véu
da inocência definitivamente se rompe.
Em contato com outras amigas, a
gente fica sabendo que os pais transam, a gente descobre que sexo é bom e que
inclusive nossas mães praticam com gosto. Mesmo ignorando o fato de que pra eu
nascer ela teria de ter se deitado com meu pai, naquela época isso tirou um
pouco a aura de santidade que havia em torno da minha mãe. Depois vieram os
conflitos acerca de uma separação pré-anunciada, mas que nunca chegava às vias
de fato, bagunçando a cabeça materna e desviando o foco da adolescência de sua
única filha: eu.
Conto isso para ilustrar que a
própria vida se encarrega de promover o afastamento entre mães e filhas, seja
lá por qual motivo.
Eu penso que a maternidade não é
pra todas. É imprescindível que mães prestem atenção nesse amor inicial que
constitui a essência da criança. Para que esse elo entre mães e filhas não se
quebre prematuramente. E não me refiro a mimar sua filha e atendê-la em todos
os seus caprichos – isso criará um monstrinho – mas a perpetuar esse elo, alimentar
esse amor e ainda que sua filha discorde de você, é ela quem decide qual
caminho seguir, que aprendizados prefere ter. Ainda que discorde do seu modus
operandi, sua filha tem esse direito. O que você pode fazer é orientá-la e
abrir os braços para que se eventualmente venha a cair, o carinho, o conforto,
o colinho e a orientação estarão de braços abertos para recebê-la de volta. É
simples assim. No entanto o egoísmo e aquela mania de autoridade que a gente
tem, acaba nos afastando delas.
O primoroso texto da psicanalista
Mariana Ribeiro para o portal Ciência e Vida, aborda a dificuldade de as mães
administrarem e reconhecer nas próprias filhas mundos diferentes, o que seria
responsável por verdadeiros desastres na relação. Geralmente, ignorar seus
próprios medos, traumas, frustrações ou até fetiches e empurrá-los para debaixo
do tapete, acaba por provocar uma espécie de transferência psíquica nas
gerações seguintes. Filhas absorvem, filhas reproduzem e ao expor para suas
mães as feridas escondidas se instalaria aí o conflito. Outra dificuldade é
quando as mães enxergam nas filhas extensões de si mesmas. Preciso completar a
frase?
Foi o que me deixou traumatizada e
morrendo de medo de ter uma menina: a famigerada competitividade entre mães e
filhas; certo tipo de mãe que tem o hábito de minar a autoestima da filha de
pouquinho em pouquinho, todos os dias. E isso acontecia debaixo de diversos
tetos além do meu. Tem mãe que adora dizer pra filha o quanto ela está gorda,
quando a própria não representa modelo de magreza; tem mãe que parece sentir
prazer em dizer que sua filha é uma vagabunda se esta não se mantém casta até o
casamento (e olha que isso ainda acontece hoje em dia!); existem aquelas que
parecem sentir ódio, ao invés de orgulho das filhas que estudaram, que chegaram
a algum lugar, que conseguiram um diploma, ao invés de sentirem orgulho de ver
o sucesso de suas crias e tantas outras que profetizam o quanto suas filhas são
e serão fracassadas, antes de dar um voto de confiança, ou tentar ouvir uma
nova ideia que pode ser bem sucedida amanhã. Recusam-se a ouvir suas crias simplesmente
por não confiarem nelas próprias, afinal se a própria mãe morre de preguiça de
lutar, de sair do lugar, como suas filhas têm esse poder? Também conhecida como
inveja.
Por tudo isso, eu morria de medo
de ter meninas. Eu vi a transformação acontecer comigo, vi acontecendo com
amigas minhas, salvo raras exceções. Foi uma geração filha da ditadura que não
sei que tipo de defeito deu. Danou a competir e descontar nas próprias filhas
suas próprias frustrações. Eu tinha medo que acontecesse comigo. Tinha medo de
sofrer algum dano cerebral, que minasse meu amor por ela. Talvez por isso tenha
passado quase nove meses de mau humor, deprimida, chorando por qualquer motivo,
morrendo de medo dela.
Claro, esse medo se desfez assim
que pus os olhos na galega. A galega personifica esteticamente a mulher que eu
sempre quis ser, mas nem por isso vou chama-la de feia por inveja. Sua beleza é
tão reluzente, seu jeito de ser despachado, toca a qualquer pessoa; ela é meio
maluquinha e fala as coisas assim, na lata, como uma taurina deve ser sem
perder a docilidade (coisa que não sei fazer); faz caretas hilárias que eu
passei a reproduzir sem querer (quem imita quem? Provavelmente eu a imito); ela
é companheira para todas as horas e já dá pra notar um mulherão ali dentro,
preso num corpitcho de criança – Dona Miúda é mais mulher que eu e têm me
ensinado muito sobre feminilidade - , é das que perde o amigo, mas não perde a
piada (também) e é caprichosa com as coisas que faz; adora ajudar; é
fashionista toda vida desde que nasceu e melhor, quando me olha nos olhos, eu
enxergo aqueles coraçõezinhos que eu tinha no olhar. A galega me põe num pedestal
do qual há muito tempo caí.
Sei que sou a pessoa mais
importante na vida dela, quer dizer, das mais importantes. E eu prometo ficar
atenta. Ainda que discorde de algumas questões, eu já faço o exercício de deixá-la
dar seus próprios passos, ainda que saiba que alguns não darão certo. É o amor
com liberdade. É amor.
Um dia, uma antiga funcionária
que já mora na companhia de Deus vendo meu desespero ao estar grávida de uma
menina (tinha 4 filhos e 1 filha) me disse que filha é pra vida toda e em sua
simplicidade falou assim:
- Você vai ver! Com menina a
parada é diferente!
Só posso concluir que ela estava
certíssima! Com menina, a parada é mesmo diferente. É ver para crer e para amar
infinitamente.
Fonte: Portal Ciência & Vida
2 comentários:
Excelente reflexão Flavia!!Elas vão crescendo e têm personalidade própria...Bia, aos 9 anos, é bem diferente de mim e tenho me controlado para deixá-la livre para escolher qual penteado(um exemplo) ela quer usar ao invés de impor o meu gosto!!Treinando nas coisas simples pq sei que mais pra frente o bicho vai pegar...
Pois é, Melissa! Eu treino com as roupas. Mas se fizermos esse exercício desde cedo, mais tarde espero que fique menos sofrido pra gente.
Ah! E com esmaltes tb, coisa que sempre abominei em crianças! Mas deixo. É uma onda mais forte que eu!
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