“Não dou mole pra criança nenhuma não!” – MANGUEIRINHA, DIRETOR DE BATERIA DA UNIDOS DE VILA ISABEL E IDEALIZADOR DO PROJETO BATERIA DE JOVENS SURDOS TIM
Filho do samba (o pai foi intérprete e compositor de escolas de samba e a mãe, integrante da ala feminina), tendo crescido em Vila Isabel, desde pequeno Carlos Henrique da Silva Vicente, o Mangueirinha deu os primeiros passos no mundo do samba através da bateria mirim da escola de samba Unidos de Vila Isabel.
Apesar de jurar que o voluntariado não foi aprendido em família, faz questão de enfatizar que aprende mais com os alunos do Projeto Bateria de Jovens Surdos patrocinado pela Tim, do que ensina. Carioca, morador do Morro dos Macacos, Vila Isabel no Rio de Janeiro, desde a mais tenra idade esteve em contato com o mundo do samba. Foi através de um projeto social que aos 6 anos aprendeu a tocar o primeiro instrumento. Hoje, se torna um multiplicador da experiência que viveu. Além de diretor de bateria pela escola de samba Unidos de Vila Isabel, está envolvido em diversos grupos de percussão dentro e fora do samba.
E não para por aí, ensina o ofício a crianças carentes com e sem deficiência pelo Rio, inclusive no Centro Municipal de Referência da Música Carioca.
Nessa entrevista, Mangueirinha fala da sua infância, de seus influenciadores e mestres e garante: “Sou um cara muito rígido com meus alunos!”
Flavia Moura – Como foi a relação com o samba na sua família?
Mangueirinha – Meu pai nasceu na Mangueira. Quem era ligado a Mangueira era meu avô, que saía numa ala tradicional da escola de samba. Quando meu pai foi morar em Vila Isabel... Pô, é estranho... Meu pai quando foi morar lá (em Vila Isabel), ele disputava samba enredo na Vila, mas foi integrar o Salgueiro. Ele foi diretor de harmonia no Salgueiro e tinha uma ala também! Na Vila, ele tinha uma participação no canto. As pessoas o chamavam porque interpretava muito samba dos outros e compunha também, porque tinha uma boa voz e o pessoal sempre o convidava, não só na Vila, como em outras escolas. Aí logo depois, quando eu cresci e comecei a desfilar na bateria mirim, ele veio pra Vila pra eu não ir sozinho. Aí, ele e minha mãe montaram uma ala na Vila e passaram a diretores de harmonia na Vila. Ele como diretor de harmonia e ela no departamento feminino.
FM – E essa parte de se dedicar a projetos? Foi aprendido na família ou você foi pioneiro no tocante ao voluntariado?
Mangueirinha – Ah, o meu pai era muito festeiro. Tinha grupo de mulatas, era mestre de cerimônias de blocos, apresentava os blocos, convidando os outros... mas essa veia de projeto, veio da bateria mirim que eu comecei.
FM – E os demais projetos, as pessoas iam te chamando ou foram acontecendo?
Mangueirinha – Então, eu ingressei nessa bateria mirim, aí só tinha uma bateria. Aí em 1988, essa bateria deu vida a uma escola de samba mirim. Eu era ritmista dessa escola de samba mirim e fui fundador dessa escola de samba mirim, né? Daqui a pouco eu passei a ser mestre dessa bateria e escola de samba mirim. Aí foi começando, eu fui pegando experiência com isso e as portas se abrindo pra mim. Aí comecei a dar aula ali, comecei a dar aula aqui... foi assim.
FM – E você sente frio na barriga quando vai liderar uma nova turma? Tem esse lance de ficar nervoso como no dia de estreia?
Mangueirinha – Tem, tem. Porque se você não ficar nervoso e não sentir o frio na barriga, a coisa não tá normal. Tudo o que é novo, você tem certa dificuldade né? Aí sempre tem esse lance de ficar nervoso, a boca seca... é a adrenalina né? Enquanto isso acontecer é porque você tá funcionando! No dia que isso parar de acontecer, você não tá funcionando mais.
FM – A gente sabe que adolescente tem aquela fase tinhosa e aqui (no Centro de Referência da Música Carioca onde acontecem as aulas do projeto) a gente vê que tem as crianças menores e os adolescentes. Eles te dão algum tipo de trabalho ou seu carisma encanta até eles?
Mangueirinha – Olha, graças a Deus eu tive uma educação muito boa, tanto pelos meus pais, quanto meus avós. Fui criado pelos meus avós, porque meus pais tinham que trabalhar, mas eu tive uma professora particular antes de ser alfabetizado, porque eu morei no pé do Morro dos Macacos e tinha uma senhora chamada Dona Belinha, que todo mundo passava por ela, antes de ser alfabetizado. E ela era uma pessoa muito rígida, então fez parte da minha educação. E o outro mestre de bateria, o mestre Trambique, também era muito rígido. Então eu me vejo neles. Essa rigidez toda que eu tenho com as crianças, eu me vejo neles, mas eram pessoas também muito carinhosas.
Essa dona Belinha, caraca, era uma senhorinha... Nossa Senhora! O morro todo dos Macacos e Pau da Bandeira passaram por ela. Num quadro negro só, ela dava aula do Jardim à 8ª série. Só num único quadro. Eu nunca vi isso. Hoje você tem amplas formas de educar e na minha época, era uma cartilha do ABC e ela muito rígida e ao mesmo tempo carinhosa. Eu trato as crianças assim. Eu sou rígido, falo a verdade pra eles, eu não conto mentira, porque também nunca me contaram mentira... eu os trato assim. Não dou mole pra criança nenhuma não! Aquele que tá titubeando um pouquinho, saindo da linha um pouquinho, eu vou pra cima dele firme e falo a verdade.
FM – Como foi que você aprendeu a ensinar de maneira diferenciada as crianças com deficiências diversas (visual, auditiva) e até as mais graves, como algumas crianças com deficiência mental que frequentam esse espaço? E você coordenando isso com maestria. Você aprendeu ou foi instintivo?
Mangueirinha – Olha de fato eu nunca trabalhei anteriormente com crianças com deficiência. Eu tive vontade de fazer esse projeto para crianças surdas, falei com meu coordenador, que me apoiou; fomos pra um colégio trabalhar. A primeira semana muito complicada, porque eu não sabia libras; a segunda semana continuou complicada e a terceira também. Eu fiquei um pouquinho desesperado porque tava entrando num mundo novo. Foi quando a diretora do colégio falou pra eu manter a calma, que quando menos esperasse ia ter uma resposta. Quando eu menos esperei tive a resposta de um, aí veio outro e foi dando uma resposta. Aprendi mais com eles, do que eles aprendem comigo e continuo aprendendo com eles.
Cada criança com uma deficiência diferente que hoje chega, eu aprendo. Eu deixo eles. Cada criança tem seu tempo e você tem que respeitar isso, então eu deixo eles livres, bem a vontade e vou aprendendo e vou tirando deles o que eles têm de melhor. Eu não forço nada, eu os deixo à vontade. O projeto é de integração, né? Então eles têm que se sentir bem. Eles se sentindo bem, eu aprendo com eles e eles aprendem um pouquinho comigo. É uma troca.
FM - Você já tem algum projeto pra 2015, depois que passar o carnaval?
Mangueirinha – Não. Projeto é continuar aqui, no projeto da TIM porque eu acho que é importante pra caramba. Sem a ajuda deles como parceiros eu não conseguiria. Porque as crianças com deficiência necessitam, os pais... e eu tenho que dar um conforto a eles. Porque não tem como você dar aula ou fazer qualquer coisa pruma criança sem dar o mínimo de conforto. Eles têm que ter um lanche, eles têm que ser bem tratados, os instrumentos tem que ser de qualidade, porque não basta só a sua boa vontade, mas você tem que ter parceiros que possam te ajudar e você possa caminhar. Porque sozinho você também não é nada!
Serviço: O projeto da Bateria de Jovens Surdos TIM está em recesso em função das férias escolares. Trata-se de um projeto gratuito de integração, que voltará suas atividades no dia 16/01/2015. Para inscrever-se basta entrar em contato pelo telefone (21) 3238-3831.
O Centro Municipal de Referência da Música Carioca Arthur da Távola fica situado à R. Conde de Bonfim, 824 - Tijuca, Rio de Janeiro - RJ, 20530-002
1 comentários:
Conheço o cara e fico muito feliz por ele usar o dom q Deus lhe deu para ajudar o bem estar dessas crianças , ele falou da dona Belinha estudei lá , lembro quando pegou fogo na salinha , lembranças boas , trambique , era show , eu tinha um apelido ( Mantena ) , eu não moro mais na comunidade mas tudo q movimenta o mundo da minha Vila Isabel eu fico ligadão e acompanho , valeu Mangueirinha abraço
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