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sexta-feira, março 06, 2015

E NO PRIMEIRO CASTING...


Conseguimos chegar pontualmente às dez, como constava no contrato. Na verdade, aqui no papel diz entre dez e meio dia. Eles deveriam fazer como uma amiga minha, que para evitar atrasos, sempre dizia meia hora antes, então a gente acabava atrasando e chegando na hora. 

Sou orientada a ir para o segundo andar. Fiz a consulta no Google Maps de casa e pude ver que se tratava de um casarão. Antes, uma parada pro xixi, que ninguém é de ferro. A menina pediu e eu peguei carona. Nunca se sabe quanto tempo vamos ter de esperar. Trouxe duas garrafinhas d'água geladinhas e um pacote de biscoito com recheio de morango, porque é rosa, embora eu não vá comer nenhum. Só ela.

Chegamos no segundo andar e o gosto bom na minha boca sumiu de repente. Parece féu agora. Algo que se assemelha a um galpão, largo e comprido, abarrotado de mães e suas filhas, uma mais linda que a outra; uma mais falante que a outra; um calor danado, a visão do inferno. 

Tudo, absolutamente tudo aprisionado na minha mente é sempre mais bonito, mais vazio e mais refrigerado, em nada lembra a realidade. Claro que sinto uma vontade enlouquecida de de voltar pelas escadas no mesmo instante, mas a mãozinha agarrada à minha, me faz subir os últimos degraus.

Eis que tem uma mesa, com a moça sentada de costas para a escada, de frente para aquele mulherio, linda, mas mau humorada com tanto falatório; encarregada de recolher o termo de compromisso, a papelada com documentação e de pôr ordem na bagunça. Muito séria, de vez em quando solta uns berros pedindo silêncio. Dona Miúda não se abala, ou finge bem. Na minha cabeça quero sair correndo, na dela, são mais amiguinhas para brincar. 

- Mamãe, controle-se. - Pede gentilmente meu inconsciente se cagando de medo também.

Entrego meu papel à linda pit bull, ao que ela me diz que não vai servir, porque o meu foi impresso em duas vias. Ela me entrega outro para que eu preencha tudo outra vez. Já perdi o lugar, claro. É tudo tão louco, que nesse calorão o termo "foi à roça, perdeu a carroça" se justifica e não clama por barraco.

Sento ao lado de uma mãe e sua também filha linda. Das poucas negras que estão ali. A grande maioria é loura, tem olhos claros, cabelos de todos os matizes, sobretudo, louros. Aliás, a indústria brasileira é altamente racista. Renegam os negros na cara dura. Minha filha, uma negra fake, de pele clara e cabelos castanhos com mechas douradas não foge à regra. Foi escolhida por causa de sua desenvoltura e pela beleza e cujos traços miscigenados, só buscando com lente de aumento. Ainda assim, eu insisto em dizer que ela é negra, porque afinal, é minha filha e eu não sou branca, certo?

Pois bem, essa mãe é bem diferente de mim. Está batendo o texto incansavelmente com a menina e por vezes segura-lhe o queixo, para que esta preste atenção. Nessa hora, Dona Miúda fica olhando com cara de espanto, como se estivesse pensando alto; "minha mãe não faz isso comigo". Não faço mesmo. A primeira coisa que fiz foi ler no contrato, se havia obrigatoriedade de decorar alguma fala. Dizia para explicar à criança como seria a cena, mas obrigatoriedade de decorar não tinha. Então, expliquei a cena e disse o que ela deveria dizer. Perguntei se queria repetir e ao receber um gesto afirmativo, batemos o texto algumas vezes em casa e outras poucas no ônibus. O nome da marca em questão, o mais difícil, ela decorou com facilidade. Então deixei rolar. Melhor. Só que essa mãe está coagindo a menina. Minhas tripas se reviram.

A recepcionista pit bull dá um berro de sua mesa, que a essa altura está meio longe de nós. Ela grita os números que entrarão para o teste. Dona Miúda resolve brincar com a nova amiga. Antes que ela arrume encrenca com os brinquedos da outra, saco o quebra-cabeças da Frozen para as duas se divertirem. Infelizmente a menina puxou o gênio da mãe. Grita com a  Miúda ao ser alertada de que estava encaixando as peças errado. Minha pomba gira interior me segura para eu não voar no pescoço da pequena. Claro que não voaria no pescoço da pequena, mas a vontade de dar uns safanões na mãe, para ela aprender a não deixar a garota pilhada... Ah! Isso muito.

Minha filha, que é muito mais pheena que eu, não se abala. Repete que está errado e a garota vira bicho. É bem nesse momento que resolvo guardar a porra do quebra-cabeças e falo bem sério pras duas:

- Bem, já que vocês não estão se entendendo, a tia vai guardar para acabar com a discussão. 

A mãe concorda comigo e faz a menina repetir o nome da marca. Então chamam a menina e eu desejo boa sorte. Mentira. Não foi de coração, mas por educação. Com uma coacher daquelas, não precisa de sorte, vai precisar de um psicólogo num breve futuro.

Depois de cerca de uma hora esperando, finalmente pegamos o número que ordena a entrada para o estúdio. Mais uma hora de espera certamente. Felizmente, a Miúda descobriu a varanda, onde estava rolando um vento fresquinho e as amigues pareciam mais calmas, interagindo umas com as outras, trocando seus brinquedos, compartilhando seus tablets... E ali fora, acabo me deparando com outro tipo de mãe que me dá nos nervos. A mãe escrava. Aquela que é um saco e parece que está miando ao pronunciar a cada minuto a palavra filha.

- ô fiiiiilha... mas fiiiilha... e fiiiiilha!

Ai que saco! Fala direito, porra! Dá vontade de sacudir a infeliz pelos braços e mandar falar que nem mulher. Carinho é uma coisa, essa melação da mãe, enquanto a criança pinta e borda me dá agonia. Aquelas superprotetoras (SIC!) que enquanto a criança pinta os canecos, a retardada infeliz fica miando "fiiiiiiiilha não pooooode!" pelos cantos, enquanto a criança já subiu, já desceu, já caiu e já se quebrou. 

Não tenho paciência para ambientes cheios, não tenho paciência para um bando de mães do meu lado, não aguento essas pasteis que não têm atitude e deixam as filhas fazerem o que querem, enquanto ficam lá dizendo "fiiiiiiilha". Isso me dá uma certa revolta e faço couro com outro tipo de mãe ao meu lado. A mãe barraqueira. A gente concorda que a indústria põe a todos num grande moedor de carne e que deveria existir uma agência que realmente sabe lidar e respeitar as crianças. Que ficaríamos ricas. Na boa, se vão selecionar cerca de 5 crianças para um casting, pra quê fazer uma audição com 200? Porque ali tinha umas cem, tranquilamente e ainda soube que haveria o teste da tarde. Ou seja... moedor de carne. Eu juro, não fosse o interesse dela, jamais estaria ali.

Tenho a brilhante ideia de me afundar no Candy Crush Saga, já que tem uma tomada bem ao meu lado e né, quem tem iPhone tem que ter uma tomada de brinde pra chamar de sua. Já estou há uma semana na mesma fase e nem vejo jeito de sair dela tão cedo. Dessa forma,  fico encolhida na escada, enquanto Dona Miúda se enturma rapidamente. Ela está com as meninas um pouco maiores e a filha da pamonha está berrando logo acima de mim na escada,  porque quer ficar perto das meninas que estão com tablet na mão. A idiota da mãe ao invés de consolar a garota, fica miando que ali não tem espaço.

- ALOUUU? Todas nós já percebemos que ali não tem espaço!! - Berra minha pomba gira interior já puta da vida com essa mãe imbecil.

EU - Ô miúda, dá pra amiguinha sentar apertadinha aí do lado de vocês?
MIÚDA - Não, mãe. Aqui tá cheio.
EU - Se sair alguém daí, você chama a amiguinha pra ver o jogo?
MIÚDA - Chamo.
EU - Viu querida? Só esperar um pouquinho que quando a amiguinha sair, você pode sentar com ela, tá bem?


A menina para de chorar por dez segundos e volta a fazer manha. Enfim, a mãe se toca e pega a garota no colo. Sem sacanagem, a menina deve ter uns 3 anos. Eu não sei se traria minha filha de 3 anos para um lugar desses, mesmos e ela fosse a rainha dos paranauê. É um sofrimento. 

Uma das mães me avisa que a minha filha será a próxima. Desligo o Candy Crush e fico antenada com os números. Eles a chamam e eu não sei onde a galega se enfiou. Porra, ela não passou pela porta, estava na escada atrás de mim agora mesmo, além disso, essas meninas são tão parecidas... Ah! Tá ali.

Pego a Miúda pela mão e atravessamos o andar inteiro de mãos dadas. A galega acabara de enfiar um biscoito na boca e está com os dentes cheios de chocolate. Faço uma piada a imitando, dizendo a fala com os dentes pretos e ela cai na gargalhada de boca cheia, com os dentes pretos. A moça me pede para entrar assim que sair alguma garota da sala. Entramos numa porta corta-fogo, que dá acesso a uma segunda porta corta-fogo, com uma sala que parece com um camarim no meio. Dona Miúda me olha e pergunta:

DONA MIÚDA - Mãe, eu vou ter que tomar injeção?
EU - Ah claro que vai tomar injeção! - Sou uma mãe troll. Perco a filha, mas não perco a piada.

Abre-se a porta nesse instante e a moça que a atende, escuta nossa conversa e diz:

MOÇA - Nããããão! Não vai tomar injeção não. Nós vamos brincar. Qual o seu nome? Por favor, pode sentar aqui, mãe.
EU - Não, obrigada, eu vou ficar aguardando aqui fora. 

Ela me olha com as sobrancelhas levantadas. Ao que me abaixo, olho pra minha menina e digo:

EU DIZENDO - Amor, pode ir. Vou te esperar aqui e depois você me conta tudo, tá?

Ela balança a cabeça afirmativamente e a porta se fecha.

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